segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

OS RESPONSÁVEIS POR SANTA MARIA

.

O britânico Eric Hobsbawn escreveu em seu indefectível livro A Era dos Extremos, que ao contrário do que parece, o mundo não está mais cruel nem mais violento do que era  mil anos atrás. Sustentando seu ponto de vista ele compara a crueldade atual, quando se mata dezenas, centenas, milhares de pessoas de uma vez só, através da explosão de um míssil,  e as guerras da antiguidade, quando aos capturados, a sentença dada já em campo de batalha era o empalamento; a morte agonizante, pendurado a 3 metros de altura na ponta de uma lança, até o desfalecimento. A diferença, aponta ele, é que a tecnologia torna tudo mais amplo. Desde a possibilidade do extermínio em massa, até a divulgação disso, que hoje em dia, pode ocorrer em poucos minutos e rodar todo o planeta Terra.

De todo modo, como os níveis da maldade humana só são possíveis de aferição em programas de tv e obras de ficção, só o que nos resta é lidar com o mundo conforme ele é hoje. Melhor ou pior, não podemos regredir e mudar a história nem o pensamento humano.

Mas parece inescapável que a vida se tornou desimportante. Ou sempre foi, não sei. Os abutres da grande imprensa se refestelam com as tragédias. As câmeras que procuram os líderes das nações, quando são instados a dar alguma resposta aos fatos. Vigilantes, fecham em close up no rosto do entrevistado ao menor sinal de que ele vá chorar. Buscam as lágrimas que virão naquele rosto que pelo jeito, todos esperam que seja de alguém que não tem sentimentos. As lágrimas são o troféu da audiência, o coroamento da banalidade que se tornou a existência humana. Isso se viu no pronunciamento da Presidenta Dilma acerca da tragédia de Santa Maria, mas também se viu na posse do novo mandato de Barack Obama, porque ele naturalmente, também  tem sentimentos.  Mas não existe sociedade corrupta, sem os corruptores.

A mídia é sem vergonha porque quem a consome também é.

A vida humana é frágil ao contrário de seu ego, que é encouraçado, quase indestrutível. Pipocam nas redes sociais as manifestações de luto, de indignação, de busca dos responsáveis, mas como já nos acostumamos, o baile segue e no próximo final de semana, novas ondas de jovens assassinados na saídas das boates, centenas serão atropelados, jogados para fora do veículo descontrolado pelo motorista bêbado, pessoas serão desfiguradas pelos companheiros ensandecidos e outras tantas levarão um tiro e serão espancadas por serem gays, negros, ou por usarem uma camisa de time de futebol inadequada para o momento e para o lugar.

Reconheça caro leitor. A vida não tem valor. A sua para os outros e a dos outros pra você. Sim, você se importa com os seus, com sua família e amigos. Se importa com você mesmo, mas e com os outros, será? O tal "próximo" que vem escrito na Bíblia? Chico Buarque já resumiu nosso estado de espírito há muito tempo quando mostrava que fulano "morreu na contramão atrapalhando o tráfego". A consequência social da desgraça particular daquele cidadão é tão somente o inconveniente de deixar os outros, presos no trânsito. Demorarão muitos minutos a mais para chegarem em casa, ligarem a tv e serem estupidificados até a hora de dormir.

Exagero? Quantas notícias você ouve a cada dia, dando mostras de que um "grave acidente" com tantos mortos, deixou um congestionamento de não sei quantos quilômetros? E a precificação da guerra no Iraque ou do Afeganistão que custou zilhões de dólares e só ao final da notinha você ouve falar que tantos soldados americanos morreram. Americanos, porque os soldados e os civís "inimigos" sequer são mencionados. Eles não existm, não são tidos como iguais, não entram no luto oficial. E não entram porque o destinatário do noticiário, de fato, não se importa com eles.

A mudança para um outro estágio não virá a menos que a busquemos de verdade. O Facebook pode externar a tristeza, e a alegria. Pode até ser últil para uma legítima manifestação coletiva seja denunciando um corrupto ou criminoso, ou para louvar algum herói do momento. Mas a rede social se tornou nossa imprensa privada, pela qual em segundos, atingimos centenas, milhares de pessoas e tantos lugares e para elas, podemos espalhar nossas "verdades". Mas também nosso preconceito, nosso rancor, nossa incapacidade de viver em sociedade. Curiosamente de maneira geral, a usamos para reproduzir fotos de nossas festas, dizer de nossa felicidade ou nossa tristeza, falar das frustrações com aquele que não corresponde nosso amor (onde já se viu alguém rejeitar minha devoção?) e para acima de tudo, parecermos vencedores da grande peleja diária que se chama vida. Parecermos, porque parecer é o que importa.

Medíocres e ordinários, nada nos dá alento. Nem poderia. Só mudamos a partir do momento em que nos convencemos de que estamos errados. E como poderemos nos convencer se a cada minuto somos bajulados por interesseiros e bajulamos por interesse? Como poderemos mudar se, apesar de lermos tantos artigos advertindo sobre a excessiva futilidade de nosso mundo, tudo o que fazemos é, futilmente, reproduzí-los e concordarmos sem no entanto, fazermos qualquer coisa para mudar?

Quando deixaremos de lado a imagem, que "vale mais do que mil palavras" pra fazermos os invenstimentos na saída de emergência das boates, na qualificação dos seguranças, na conscientização de que desviar dinheiro público mata pessoas sem atendimento no hospital e que o certo precisa ser feito porque é certo, e não porque você espera reconhecimento disso no final?

Quando você vai começar a ensinar seu filho que nosso modelo se exauriu e é preciso urgentemente iniciar um outro, no qual uma pessoa não tem mais valor do que a outra? Mas será mesmo que você está convencido disso? Nas entrelinhas, apesar de seu discurso, você deixa claro que, se dane o mundo, o teu é o que importa.

O que é preciso para nos convencer de que estamos errados? O que é preciso para nos convencermos de que a mudança precisa partir do interior de cada um porque estamos sempre esperando o outro e o outro está nos esperando para o início?

Feche o Facebook, desligue a tv, jogue fora a revista que só lhe traz desgraças. Entenda de uma vez por todas de que, de onde você veio, todos vieram e para onde você vai, todos irão.

Clique aqui para ver a política rasteira que infesta o país.
Clique aqui para ver um lugar que só é paradisíaco na TV. 
Clique aqui para assistir o pronunciamento de Dilma, que fez  a tucanalha embestar. 
Clique aqui para ler sobre a nova estrela do Facebook.
.


Um comentário:

  1. Excelente crônica! Pena que a grande mídia não publique isso. Afinal, não é de interesse dela. O que manda é o Santo Lucro. E quanto pior, melhor para eles. Quanto mais sangue, mais lucro. Dizem que Stalin disse: "Quando uma pessoa morre, é uma triste perda. Quando dez morrem, é uma tragédia. Quando mil ou mais morrem, é uma estatística." Friamente assim. Como podemos esperar piedade, se nos tornamos tão impiedosos?

    ResponderExcluir