sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

DIREITO DE SE EXPRESSAR NÃO É DIREITO DE OFENDER

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Existe uma coisa sobre a qual deveríamos todos prestar muita atenção. É o emburrecimento crônico da sociedade. 

Não é possível fazer um recorte histórico para saber com certeza, quando as pessoas foram mais burras. Se no passado, ou agora. Mas é fato que a falta de critérios razoáveis para embasar qualquer discussão chegou a um nível de pobreza, que honestamente, dá preguiça conversar com determinadas pessoas, sobre quase qualquer assunto.

A barbaridade do momento foi o atentado ao Charlie Hebdo. Quando se tenta mostrar que o jornal não era santo e que no mínimo, provocou o próprio destino, nos acusam de coadunar com a violência. É de um pauperismo intelectual brutal. Dizem alguns que estamos culpando a vítima, tal qual não se pode fazer no estupro. 

Ora, ora. São casos completamente diferentes e só se utiliza de um exemplo como esse, quem não tem a menor noção do mundo no qual está vivendo. Acusar a vítima pelo estupro é estapafúrdio porque ela, ainda que estivesse "provocando" o criminoso, estaria fazendo isso na esfera privada que é para todos os efeitos, indevassável. Quando uma pessoa "provoca" a libido de alguém o faz dentro de seu legítimo direito, direito esse, similar ao da própria existência. Usar roupa curta, perambular por determinadas regiões só pode ser considerado "provocar", por uma mente igualmente perturbada. Quando uma mulher usa uma roupa curta, não o faz dizendo "ok, venha me estuprar porque é isso que eu quero, afinal estou de roupa curta". Ela apenas se mostra, o que nenhum problema tem. Esteja ela adequada ou não ao ambiente em que se encontra, a suposta provocação não pode ser entendida como uma permissão nem uma justificativa. Ou seja, NÃO É uma provocação. 

Do mesmo modo, não se pode considerar razoável que um torcedor usando a camisa de seu time, seja espancado até a morte, simplesmente por causa da vestimenta.

Por certo que a violência nunca se justifica. Um torcedor não pode ser surrado por expressar seu amor ao time, quando faz isso de maneira coerente e respeitadora, estará sempre coberto de razão. Por outro lado, se ao vestir sua camiseta e ao expressar sua torcida, a pessoa venha a agredir o adversário, verbal ou fisicamente, a situação alcança outro patamar. Ela estará efetivamente dando causa à resposta do agressor. A resposta do agressor não o exime do crime, e não o isenta, como imaginam alguns. Porém, dar causa a um delito, também é merecedor pela lei penal, senão de sanção, ao menos de reprovação.

Por isso que nos casos extremados de brigas de torcidas, normalmente ambos os lados são punidos. Por que se provocam mutuamente, e não se respeitam. Já no caso de um estupro, a menos que a vítima colocasse uma arma na cabeça do estuprador e o obrigasse ao fazê-lo, ela não poderá nunca ser punida nem censurada.

E o caso da revista Charlie vai exatamente nesta linha da provocação extremada. Era uma  revista racista e intolerante, que se escondia atrás de um suposto pensamento de esquerda e da liberdade de expressão que as Constituições dos países chamados civilizados, lhe conferem.

Chamar através de charges uma ministra de macaca só porque ela é negra, não encontra justificativa na liberdade de expressão. Liberdade de expressão seria discordar das atitudes da ministra enquanto profissional, dentro da razoabilidade e da coerência.

Fazer uma charge onde Jesus Cristo aparece currando Deus, ou um muçulmano que aparece defecando na própria boca, não pode ser visto como mera liberdade de expressão. 

Direito de se expressar não é direito de ofender, gratuitamente, outras pessoas, naqueles valores que lhe são mais caros.

A imprensa e a população, apressadamente como é de costume numa sociedade midiática como a nossa, vestiu a camisa do Charlie Hebdo, como se fossem os mais injustiçados da história. Evidentemente, evidentemente, evidentemente (direi isso mil vezes se necessário) que não se justifica uma chacina por causa disso, mas se compreende o nexo causal. Se os mortos da Hebdo estivessem vivos e fossem a um hipotético tribunal, os atiradores terroristas seriam sentenciados pelo tiroteio, e os provocadores, pelo crime de injúria racial e religiosa.

Os Charlie Hebdos, apesar de claro, não merecerem o fim que tiveram, jamais poderiam ser considerados absolutamente inocentes e injustiçados.

Mas como no início deste artigo dissemos que no mundo de 2015 é quase impossível que as pessoas tenham um tendência a fazer análises isentas, acabamos derivando para o trololó de sempre. Ou se está deste lado, ou se está daquele lado.

O The Independent da Inglaterra disse que os cristãos atiradores da Noruega, nunca tiveram que se desculpar pelo atentado horroroso que um extremista executou, só porque o maluco usava o nome de seu deus pra isso. Da mesma forma, os muçulmanos não tem nada a ver com os ensandecidos que mataram dez na França. (veja aqui, em inglês). Afinal, não estamos falando de religião, estamos falando de gente doida.

Dito isso, vemos proliferar na mídia falada, escrita e cibernética, os fanfarrões de sempre, sempre dispostos a tirar uma casquinha de qualquer evento, e capitalizá-la da melhor forma possível. 

Rachel Sheherazade pode ser fisicamente atraente e ter um rostinho até bonitinho, mas tem uma mente perigosa. Se utiliza de uma situação triste e preocupante como esse atentado, para comparar o ocorrido à liberdade de expressão que é "ceifada" (na visão dela, claro), da revista Veja.

Uma revista que ao estilo da Charlie Hebdo, não se utiliza da razoabilidade nem da coerência para fazer críticas. Se utiliza somente da intolerância e da falta de critério intelectual de uma parcela de seus leitores. Mas como o jornalismo empobreceu, alguns dos representantes dessa então nobre classe, optaram por estender a lona de um circo, pavoneando-se no picadeiro à cata de quem os ovacione. 

Haverá, como de fato há, quem o faça. 

Um ilustre desconhecido do ramo da prestação de serviços, sempre me disse que muito mais importante do que a quantidade de clientes que se tem, o que vale é a qualidade. O ignorante é facilmente cooptado por outro circense que lhe pareça mais apropriado para o momento, de modo que o palhaço velho, é largado à míngua tão logo seja trocado. A audiência qualificada por outro lado, acompanhará o artista enquanto ele for merecedor de honrarias.

Mas para que isso se perpetue, o artista como dito, tem que ser MERECEDOR. Ou seja, ele tem que ter qualidades. O que nossa imprensa tem demonstrado a cada dia, que pouco tem.

Sheherazade mostra com sua defesa, a priori, da Veja, sem que sequer houvesse algo a ser falado nesse sentido, que é no modesto entendimento deste escriba, uma jornalista em fim de carreira, apesar do pouco tempo que tem de exposição até agora. 

Se embebeda nos 15 minutos de fama que Andy Warhol falou. Logo ela será esquecida porque será sobrepujada pela bobagem que diz a cada dia. E como bobos não faltam no mundo, sempre haverá alguém para substituí-la.

Sua claque continuará perambulando à busca de um novo rostinho e de uma nova voz que espelhe sua intolerância e virulência.

Como sabemos, vírus criados em laboratório, no início infectam as cobaias, depois os alvos. Num momento posterior, se espalham e atingem a todos, sem nenhum critério.

Sheherazade, Hebdos e outros como eles, deveriam levar isso em consideração.

Mas acho que seria pedir demais, uma coisa dessas.

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