quarta-feira, 18 de março de 2009

CRISE

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Tarde dessas, no trabalho, toca meu telefone. É um velho conhecido de quem perdi contato. Ele precisava de orientações jurídicas e como há muito não nos víamos eu o convidei para um café na padaria do próximo quarteirão. Lá poderíamos falar de trabalho e jogar conversa fora.

Como nunca mais soubera de sua vida, ele me contou que tinha um cargo razoavelmente alto em uma indústria. Salário polpudo e muitos compromissos. Conversamos sobre as amenidades da vida e inevitavelmente, veio à tona a "tal" crise.

Como bom cidadão da classe-média alta, desceu a ripa no Presidente Lula, atribuindo a ele todas as mazelas do século. Mesmo aquelas que sabemos todos, ele nem que quisesse, conseguiria ser culpado. 

Mas deixou escapar lá pelas tantas que a indústria para a qual trabalhava, se utilizou do argumento da crise para passar a régua no pessoal. Diminuiram a folha de pagamento em 25% em questão de poucas semanas.

Perguntei como se sentia tendo botado no olho-da-rua dezenas de chefes de família, trazendo com isso dificuldade para centenas de pessoas.  Isso, sem necessariamente precisar. A empresa sequer estava em dificuldades. Estavam apenas projetando o futuro com um quadro mais enxuto.

Falei que isso só acentuava a crise. Eram centenas de pessoas a menos consumindo. Ele ponderou que pouco importava. Os produtos que ele vende não são para os remediados, mesmo. 

Quer dizer, não são para quem ganha os salários que ele paga.

E foi um misto de surpresa e arrepio quando ele no limiar da honestidade revelou que a sensação de poder era muito grande e prazeirosa. Aquela coisa de deixar o boato rolar solto, o medo dos funcionários, a preocupação de não conseguir se recolocar em tempo hábil. E a cada 3 dias corria uma lista de demitidos.

Falou dos puxa-sacos que começavam a alisar seu ego e até das mocinhas que se assanhavam para o seu lado tentando evitar o pior. Disse que se sentia meio divino. No corredor da empresa todos o respeitavam quando passava, mas sabia que ao virar as costas, falavam mal dele.

Mencionou o livro A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe. Falou que hora ou outra se sentia o Sherman McCoy.

Eu o lembrei que o Sherman se dá mal no livro. Ele se resignou. Se calou por um instante. Olhou o cardápio e pediu um rocambole de calabresa e mais outra xícara de café.

Achei melhor mudar de assunto e voltar para as tolices do cotidiano.

À noite, no caminho para casa, tentei entender se tinha sido boa coisa me reencontrar com aquele tipo. 

Procurei pensar que sim. Pelo menos, eu confirmava minhas desconfianças sobre uma certa parcela de "Skafs" perdida em todos os cantos desse Brasil de Deus.

Agora, ao relatar esse ocorrido, leio a manchete de que Protógenes é indiciado por "excessos"

As coisas estão invertidas, mesmo. Definitivamente, não existe pecado do lado de baixo do Equador.



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