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Esta é uma boa entrevista com um diplomata brasileiro que vai passar meio despercebida pela grande mídia, jogada naquele "cantinho" do jornal que só pessoas que sabem o que estão buscando, encontrarão. O original saiu no Estadão e a reprodução posterior foi do
Vermelho.
A entrevista mostra um pouco do que já dissemos aqui nos Anais sobre Lula e Bush e sobre Lula e Obama. Também fala de uma visão estratégica dos EUA a respeito do Brasil que pessoas como "as Mirians" adoram ignorar.
Vejamos:
"Embaixador brasileiro em Washington até novembro de 2006, o diplomata Roberto Abdenur é um otimista. Tendo presenciado o que chama de "química impressionante" entre os presidentes George W. Bush e Luiz Inácio Lula da Silva, e vendo de perto, como consultor, o diálogo entre empresários de lá e de cá, ele aposta em "progressos notáveis" no relacionamento entre Brasil e Estados Unidos — apesar da crise e de suas incertezas.
Não lhe parece crucial que Lula reviva com o presidente Barack Obama o mesmo grau de empatia anterior — não é segredo que Obama é mais formal e reservado. Mas lembra que a ligação entre nações é determinada mais por fatos concretos do que por laços pessoais.
Seu otimismo vem da crescente projeção mundial do Brasil, que contribuiu para amadurecer o diálogo. "Nosso país livrou-se da dívida externa. É hoje um credor dos EUA, comprando títulos do Tesouro americano. Tem empresários investindo lá", resume. Em entrevista, ele destaca: "Nessa relação, o Brasil passou a ser parte da solução."
De que modo a chegada de Obama e da crise financeira vão afetar as relações Brasil-EUA?
O Obama tem um temperamento e uma postura diferentes da espontaneidade de Bush. Em novembro de 2005, vi de perto no encontro entre Bush e Lula a química impressionante entre eles. Mas, independentemente disso, a relação progrediu imensamente. O Brasil gozou até de certa deferência da parte americana.
Lula e Obama vão repetir a dose?
Não conheço Obama pessoalmente. Talvez ele seja mais formal, menos descontraído que o Bush. Mas é bom lembrar que o fator pessoal, embora importante, não é o definidor de uma relação entre nações. Esta se define em função de fatos concretos e circunstâncias objetivas, regionais e globais. Nesse sentido, acho que a relação pode ter progressos notáveis.
Por quê?
A base para isso foi dada nos últimos anos, por uma situação de convergência entre os dois. A crescente projeção do Brasil levou a um relacionamento que evoluiu. Passou a haver mais sofisticação no olhar recíproco.
No que consiste essa sofisticação?
Os EUA passaram a ver o Brasil, no contexto regional e no global, como um país de peso, com potencial para uma aproximação ampla. E o Brasil, num pragmatismo que é típico de Lula, passou a vê-los mais como um potencial parceiro do que como obstáculo ao seu desenvolvimento.
Antes era muito diferente?
Em outros períodos, os EUA se contrapunham ao Brasil em muitas coisas. O exemplo mais dramático foi a dívida externa. Hoje o Brasil a superou. O quadro mudou e o Brasil passou a ser parte da solução. É credor dos EUA na forma das reservas que temos em papéis do Tesouro. Pela primeira vez a solidez da nossa economia é um dado da questão.
Que progressos o senhor espera?
O melhor exemplo é o da energia, especialmente o etanol. O Brasil quer ampliar a cooperação bilateral e acho possível que o Congresso americano, em algum momento, adote uma redução gradual de tarifas para o setor. Os EUA vêm investindo muito em energias limpas e renováveis. O Brasil já é parceiro em pesquisa de hidrogênio. Somos um potencial fornecedor de petróleo. E há todo um pacote de atividades a definir, na facilitação do comércio entre os dois.
A crise não vai atrapalhar?
Ela tem impacto nos dois sentidos. Numa perspectiva mais ampla, ela tende a estimular a convergência entre os dois governos. De imediato temos a reunião do G-20, depois vem a questão do comércio — cedo ou tarde a Rodada Doha será retomada. E pela frente virá o debate sobre mudanças climáticas, sobre energia.
O senhor tem trabalhado em contatos empresariais com os dois lados. Dá para melhorar esse diálogo?
Há um potencial. O Brasil conta com uma figura influente na política americana, o senador Richard Lugar. Há alguns dias ele divulgou nota exortando o Senado a negociar um acordo de bitributação Brasil-EUA — um tema que está no horizonte imediato dos dois governos.
Lula admite atuar numa reaproximação entre os EUA e Chávez. Isso tem algum valor prático?
Há um valor diplomático e político no fato de o Brasil ter boas relações com Caracas. Mas uma coisa é o Brasil se apresentar como amigo — de um lado e de outro. Outra é proclamar, abertamente, que a Venezuela é um país democrático. O importante é lembrar que a Venezuela não é inimiga dos americanos. Sua estatal de petróleo, a PDVSA, tem quatro grandes refinarias nos EUA e mais de 15 mil postos. De modo geral, o que a diplomacia do Obama talvez pretenda seja atenuar as tensões na região, melhorar a atmosfera.
Qual o peso, nisso tudo, dos problemas internos americanos e do protecionismo?
Eles estão fazendo uma freada de arrumação. E não vão dar passos significativos, em termos de abertura comercial, enquanto não puserem a casa em ordem. Podem até ratificar alguns acordos comerciais pendentes, com a Coréia, a Colômbia e o Panamá. Quanto ao protecionismo, é preciso qualificar melhor essa história. A economia americana é muito aberta, as tarifas americanas são menos da metade das nossas, na média. Para o bem do consumidor e da inflação, nos Estados Unidos, o acesso a bens importados baratos é um dado positivo. E, como grandes exportadores, eles não têm interesse em precipitar uma guerra comercial."
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