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Vasculhando uns arquivos de jornal, me deparo com um bom artigo publicado no The Nation em 18 de julho de 2002, com o mesmo título que coloquei acima. O autor é Steve Cobble e ele fala das eleições no Brasil, que estavam por vir. Faz um ótimo raio-x de nosso país, até então, extremamente enraizado da influência de Wall Street. Me permito traduzir livremente alguns trechos que achei muito interessantes (leia aqui o original).
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"O candidato que está na dianteira é "Lula", Luiz Inacio Lula da Silva, líder do Partido dos Trabalhadores e ex-líder do sindicato dos metalúrgicos. Lula já concorreu para presidente três vezes antes, e já até esteve na dianteira das pesquisas anteriormente, mas em cada uma das vezes, foi derrotado pelo dinheiro da oposição, ataques pessoais, táticas de amedrontamento e chantagem aberta dos bancos internacionais, que diziam ao Brasil, se você eleger Lula, nós cortaremos seus empréstimos, rebaixaremos suas análises e jogaremos sua economia no caos (Veja o Chile de 1971 a 1973 para maiores detalhes)"
" Wall Street de fato rebaixou os índices, mas o problema para os bancos internacionais é que o Brasil já está em crise, e o Partido dos Trabalhadores não pode ser culpado disso" (referindo-se ao fato óbvio de que a crise era ocasionada pela política imbecil de FHC).
" Um segundo problema para Wall Street (um pequeno inconveniente, em se considerando Wall Street) é que é ilegal para os candidatos brasileiros aceitarem dinheiro americano para suas campanhas. O acordo da livre iniciativa de comprar as eleições este ano será um pouco mais difícil, e irá necessitar de intervenções um pouco mais criativas."
"Wall Street sem dúvida continuará usando seus mecanismos financeiros em favor dos oponentes de Lula, tentado espalhar o pânico no eleitor brasileiro. Atores corporativos individuais, claro, podem decidir ignorar as regras como fizeram no passado. (Veja ITT no Chile, United Fruit na Guatemala, Enron na Índia)
"Nossa meta (das pessoas com mentes progressistas) é não intervir nas eleições brasileiras, é manter os atores corporativos poderosos e seus aliados fora da intervenção para a subversão da democracia brasileira nesta primavera. Nós temos um pequeno papel a interpretar neste drama, mas se agirmos rapidamente, poderemos ser capazes de prevenir que alguns "americanos feios" causem larga injustiça. Este não é somente o ano da Copa do Mundo para o Brasil. Este é o ano que os brasileiros podem mudar a direção do hemisfério ocidental"
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Bem, lúcidas essas palavras do jornalista (britânico, por óbvio; não americano). Especialmente esse último parágrafo onde diz que o eleitor brasileiro podia mudar a direção política do hemisfério ocidental. E de fato, o fez.
Para aqueles que têm memória curta (ou os que odeiam pensar dessa forma), Lula foi o precursor desta guinada à esquerda da América (e agora, não só a Latina). Ou melhor dizendo, o povo brasileiro foi o precursor. Resolveu deixar de se assustar com as táticas sujas da direita mundial que tanto se aproveitou de nossas riquezas e de nosso bem comum para se esbaldar. E o fizeram também em todos os outros continentes.
O povo brasileiro mostrou uma lucidez pouco frequente na política mundial. Lucidez que os próprios americanos do norte demoraram décadas para ter, após um período extremamente denso de governos de direita (republicanos ou democratas). Até então, somente a Europa havia escolhido pelo voto seus dirigentes alinhados à esquerda (Naturalmente dessa análise excluímos a União Soviética e a China porque obviamente, não contavam com um sistema eleitoral parecido com o que costumamos chamar de democrata.).
Nem sempre nos damos conta, mas é verdade que a política em sí (ainda que por demais viciada e suja) mudou muito nos últimos 6 anos. A própria percepção acerca dela cambiou substancialmente. Somos muito menos tolerantes acerca da má-vontade e da corrupção. A "carteirada" dos políticos ou da medíocre classe-média pseudo-elitizada e da própria elite dos coronéis passou a ser fortemente defenestrada até mesmo na mídia, este todo-poderoso aliado da direita que nos anos de Collor de Mello ajudou a propagar sandices e a endeusar a América do Norte como o paraíso a ser perseguido. Nos anos colloridos a classe-média imaginou que sentiria o gosto (bem pequeno, aliás) de viver no Primeiro Mundo porque não teríamos mais "carroças" aqui. À classe-média todas as promessas haviam sido feitas. E quebradas depois, naturalmente.
À margem de tudo, o pobre (um mero detalhe na verve de Zélia Cardoso de Mello) ficava cada vez mais pobre e o Brasil deixava aquele posto de oitava economia do mundo (da época dos militares, é verdade) para a décima-quinta na época de Fernando Henrique (outro Cardoso a nos atasanar).
Foram enfim, todos enganados. Digo "foram" e não "fomos", pois me permito dizer que sempre desconfiei daqueles dois Fernandos. Claro que o fato de eu não ter me deixado levar, em nada me impediu de sentir na pele todas as consequências desses irresponsáveis. Primeiro o de Alagoas e depois o de Higienópolis, com seus mantras de especialistas em nada, que povoam nossa imprensa até agora.
Estão aí os Gianettis, sempre pagos a bom preço pela Globo, que não me deixam mentir.
O Brasil mudou muito nos últimos anos e eu estou feliz por estar presenciando esta quebra de paradigmas.
Estou satisfeito por estar presente num tempo quando, 17 anos após a quebra da União Soviética, os Estados Unidos também vão abaixo. Sendo mais específico, a quebra dos valores americanos, pois não me alegro com a miséria de ninguém. E mais satisfeito ainda em saber que eu, mesmo sendo uma gota no oceano, ajudei a destruir uma visão tão nociva para o ser humano.
Muito há de ser feito. De uns tempos pra cá, passei vigorosamente a acreditar na capacidade do brasileiro como nunca, outrora.
Vamos ver como será em 2010.
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